quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Reborn

Hoje completo dois anos de morte. O tempo mal passou em minha mente, impressionante a quantidade de detalhes que minha morte ainda traz às minhas córneas necrosadas.

Morri por gula naquele dia 13, uma terça que precedia um feriado nacional, que data mais honrosa para se morrer, eu estava simplesmente pensando em comer, só queria morrer, quando aquele panzer me atingiu em cheio.

Morri por inveja, daqueles que estavam vivos e sem fome. Fortes, viris e esbeltos, olhando meu corpo espatifado lançado ao asfalto quente por aquela torreta de metal.

Morri por luxúria, de esbanjar e não me preocupar com os que estavam abaixo de mim. Morri e nada se deixou. Meu último salário virou uma caixa de madeira sob sete palmos de terra batida.

Morri por ira, dos que sequer me velaram e no próximo dia 20 comemorariam a data de meus iguais. Onze dias haviam se passado desde aquele dia de finados, e eu perdi a chance de ter minha cova floreada por lágrimas e culpa. Eu sequer pude resolver minhas próprias dívidas, quanto mais a de meus parentes. Eu estive irado por tudo aquilo que profanou meu túmulo.

Morri por avareza. Minha avareza se deu ao apego daquelas peças de níquel, junto ao cartão magnético mostrando um saldo cada vez maior. A posse me matou. O material me engoliu. E eu fui engolido pela terra.

Morri por soberba. A ânsia de me tornar maior que aquela poça que deixei no chão me faria maior apenas numa mesa gélida de metal em minha necrópsia. Eu era maior sim. Mas não mais que alguém. Sequer era maior que um ninguém.

Morri por preguiça. Andei de dois a três metros distante de minha própria linha de segurança. A preguiça me ancorou ao chão, ao peso nas costas constante e inacessível por qualquer um que olhasse um raio x de minh'alma. Por estsr preso ao chão por próprio desejo, voei ao ser golpeado por aquela bigorna de 18 toneladas. Voei livre.

Morri e agora estou velado e sepultado. Faleci sob o chão sujo e podre de São Paulo.

Agradeço à quem esteve aqui até agora, visitando meu túmulo. Tudo que eu peço é paz e amor a cada um de si. Me encontrei melhor do lado de cá. Agora, estou livre. Para me suicidar a cada novo alvorecer.