quinta-feira, 21 de julho de 2016

A revelação através do gelo

O que eu estou prestes a escrever jamais disse em voz alta. O que estou a escrever, penso em fazê-lo há semanas, pois já percebo este traço de meu destino há um bom tempo. Eu, simplesmente, estou congelado. E não há pouco tempo.

Estou em meus 19 anos, para um cenário mais completo de como está minha cabeça, minha vida, minha vida amorosa, sexual, profissional, acadêmica, meus gostos, meu lado íntimo, meu lado relacional, irei esparecer e explanar tudo o que está aqui dentro, coisa que não faço há muito e que só mesmo em uma madrugada gelada após uma bebedeira este texto poderia ser escrito.

Desde que morri, eu aprendi muito e tenho percebido muito isso com as pessoas. Por justamente ter acontecido de maneira repentina, coisa que fazia parte de uma verdade absoluta para mim na época, aprendi a ler melhor os sinais e, com isso, minha primeira sequela que o amor e principalmente o feminino me trouxe, foi, bom, observar. Foi parar, olhar, perceber e, se interessar a alguém, contar, o que realmente é difícil, visto que ninguém gosta de acompanhar meu raciocínio ou me ouvir, foi-se o tempo em que isso era bom e acontecia. Com você, aprendi a observar, gostar mais da vida, das coisas fofas, bonitas, importantes e do pequeno.

Com a Alice, mesmo que nunca tenhamos nos encontrado intimamente ou que tenha se consumado algo, o que é uma das poucas coisas das quais consegui transformar a realidade em uma vontade minha, aprendi a curtir, gostar, arregaçar, coisa que faço até hoje. Eu, em uma festa, em qualquer situação, me transformo quando bebo, quando fumo, eu extravaso, e devo isso a justamente você, Alicinha, neguinha querida. Você criou uma parte de mim que sequer existia antes, e que, agora, é fundamental para minha existência. Te agradeço muito e me sinto enormemente honrado com tudo o que você fez por mim, pra mim, e comigo.

Depois, veio Iara, a tal da sereia do início de 2014. Com ela, aprendi a ir devagar, a ir testando, sentindo aos poucos o clima, a não exagerar e, bom, a confiar. Dessa vez foi diferente, Iara é a exceção. Ela era mais nova, vinha para cima com muita vontade, vinha com o ardor da juventude e eu pude perceber que, se aquilo não parasse, tudo se tornaria muito serio para mim, descompromissado, magoado, machucado e morto, e para ela, uma jovem estudante que acreditava no mundo dos livros, no mundo cor de rosa e na inocência das pequenas coisas, e por isso, falo da metáfora dela com os seus amados filhotes. Talvez pelo texto seja difícil entender o que tenha acontecido, o que realmente signifique essa metáfora, mas é que eu entendo. Ela tinha a brutalidade no ardor e a doçura nos afagos. É, deu pra resumir. É isso. Iara me ensinou a andar ao lado, perceber os lugares do bairro, a apreciar um jardim, a dar nome aos animais, a contar estórias e gostar das vozes que me cercam.

Muito tempo depois, já em 2015, veio ela, a chinesinha. A doce flor do oriente também tinha o seu nome, ela era muito legal, sabe, tão meiga quanto a Iara, tão legal e leal quanto a Alice, mas estava ali, presa num corpo pequeno, presa numa face espremida, presa em si. Xu, seu nome, era muito mais do que poderia me acontecer. Ela é o que nunca aconteceu, o que eu nunca fui, mas que me impulsionaram. Xu foi o meu imaginário. Com ela aprendi o sabor dos chás, o valor de uma boa conversa e o valor de transmitir uma mensagem, uma estória, seja através de uma obra audiovisual, seja a partir de um conto ou uma novela, seja brasileira, coreana ou chinesa. Ela tinha seu pai em sua terra natal, coisa que também a prendia em sua família tão sumida. Ela mal via seus familiares, mal sentia a presença distante deles, claro, eles nem estavam lá, eles sequer faziam parte de seu mundo. Xu era a prisioneira. Ela já era adulta, ela já era uma mulher, ela já era do mundo, já o conhecia e o desbravava tinha muito tempo, mas estava ali, presa em sua voz fina, em sua melancolia disfarçada, em seus relacionamentos fracos, falsos e que nunca combinavam em seus gostos, mas que ela adorava insistir. Xu extravasou muito em sua vida, tudo de forma velada, nada que violasse sua frágil casca, nada que violasse quem ela era. Xu era prisioneira de si. Não conseguia violar seu ser, não conseguia quebrar sua prisão. Ela me ensinou sobre os paradoxos da vida, ela me ensinou o que era um abraço apertado e tudo o que pode ser passado através dele.

No segundo semestre, houve a praia. Ah... A praia. Novembro, feriado de Finados para ser mais exato, eu a conheci, a princesa. Eu estava em minha fase mais politizada depois de minha morte. Nada disso pareceu transparecer naquele ambiente, eu bebi muito, podia mais, mas preferi me segurar para que ninguém passasse fome, vontade ou necessidade.

Lá, conheci Mariana, que não tinha o mesmo nome que o seu, dessa vez, eram os sobrenomes que batiam. Em nada ela parecia contigo. Era popular e extremamente extrovertida, mas como toda faceta popular, seu interior era de um imenso e grande vazio. Talvez tenha sido minha primeira paixonite real depois da minha morte, os motivos pelos quais cai nessa armadilha, talvez tenha sido meu orgulho ferido, ou porque todos estavam vendo e ansiando por aquilo, quem sabe. Sei que me envolvi, que fui burro e capturei migalhas enquanto ofereci grande parte do meu ser. O que Mariana me ensinou? Que eu nunca devo contar com o que não aconteceu. Que eu não devo ter medo do popular, do comum, do vazio e do pobre existencial, mas sim, desbrava-lo e fazer dele, meu alicerce no mundo real. Mariana me ensinou que o mundo real é esquisito e fraquíssimo em sinais, contradizendo o que aprendi contigo, contradizendo todas as minhas leituras de sinais, mas logo entendi que só entrava em contradição mesmo no mundo comum, no plano comum, da vida real, daí, me tranquilizei.

Depois do fracasso, de quatro horas de espera e migalha, mais uma vez, pude ver que aquilo não era para mim, iria me entregar ao celibato e fiel caridade. Eu decidi por isso. Fui à igreja do bairro e contei ao padre que estava realizando meu voto de celibato, para se entender o grau da coisa, esse voto foi feito em semana santa, com o Cristo coberto no altar da paróquia. Eis que, no domingo de páscoa, surge o convite, o convite para conhecer ela, Larissa.

Isso aconteceu no último Março, início do Outono. Larissa foi a última até agora. Com ela aprendi a aproveitar o pouco tempo, aprendi que apesar das relações serem muito intensas, de elas quererem, de elas serem beneficiárias de nós, elas estão no controle das relações. Larissa foi um sonho onírico, quase lúdico, mas que em dois anos não acontecia. Não sei dizer se existiu, mas aconteceu. Larissa foi uma coisa além, uma coisa ao qual eu também não tinha como lidar, era um leão a ser domado. Era o meu leão, meu lado mais feminino e que, ainda sim, fazia parte de mim. Larissa se fez mulher, estudante, entendida, interessada e parte ativa de uma tragédia grega, sua convivência no ambiente familiar. Ela era uma fera num ambiente ainda mais hostil. Larissa não entendia seus prazeres, seus gostos em meio àquilo. Larissa não entendia seu propósito ali e simplesmente fugia para os estudos, para a erudição que, com o tempo, virá e a consumirá, ou pelo menos é o que eu espero para Larissa. Larissa durou um dia, durou uma semana. Nunca mostrei meu lado interior a ela, nunca procurei mostrar meu lado morto a ela, apesar de ser o predominante e o real e, apesar de esconder tudo, ela se foi. Com ela aprendi que dosar as palavras é fundamental, com ela aprendi que olhar para si era primordial.

O que venho a concluir com todas essas revelações, nomes, comportamentos, pensamentos, acontecimentos e sonhos? Caro leitor, venho dizer que estou congelado. Tudo o que aconteceu desde que estou morto, todos os abandonos, términos, mau hábitos e rompimentos aconteceram por minha culpa, por causa de mim. Eu sou o suicida, e sabe o porquê disso acontecer? Porque como gelo, como congelado, minha função é derreter a mim mesmo, me desfazendo no espaço aos poucos.

Esse texto gigantesco serve para tirar de mim confissões que de maneira alguma faria em voz alta. Em grau alcoólico algum eu diria que minha opção pelo ideal monarquista vem de uma fraqueza em meu ser, onde eles sempre são os detentores dos feitos e da verdadeira consciência sobre o que se deve fazer, e realmente o são, e eu, estou há 3 anos parado.

Em Agosto, aniversariarei meu funeral. Nunca houve uma cerimônia, pois nunca deixei meu caixão. Desde então, passei na faculdade, uma faculdade boa que se provou um desgaste emocional, físico e psicológico e simplesmente vou às aulas, entrego trabalhos e pronto. Não movo uma pena além disso. Não reingressei no mercado de trabalho por ser preguiçoso, vagabundo e filho da puta. Não sinto vontade de fazer o que eu estudo. Sinto vontade do dinheiro, da rotina de benefícios, do dinheiro na conta, mas o trabalho... Bom, espera... Melhor dizendo, sinto vontade sim da convivência, de frequentar mais um ambiente, sinto vontade de mais gente ao meu redor, mas não consigo. Pronto, se era uma confissão, é para ser feita direito.

Desde que eu quebrei, não saio à noite. Saí 3 vezes, duas em família e uma com amigos, todas não aconteceram absolutamente nada, porque eu não fiz acontecer. Eu não vou pra cima, eu morro de medo, eu travo, eu não sei conversar, eu não sei conhecer ninguém, eu não sei ser otimista, pensar positivo e realizar bons feitos. Eu sou um bosta. Eu estou congelado. Eu ouço as mesmas músicas que ouvia há três anos, eu assisto aos mesmos filmes, os mesmos programas, conto as mesmas histórias, conto com as mesmas pessoas, meu círculo de amigos confiáveis não cresceu e não fiz amigos em bares à noite, muito menos sei como agir como uma pessoa normal no mundo real. De um lado, culpo a internet por me quebrar, por me fazer agir como um esquisito sendo que tinha um futuro tão promissor pela frente, sendo que tinha uma porra de um futuro brilhante e só fico preso a isso. Do outro lado, culpo a ti. Você me matou. Você acabou com o que eu tinha de vida e usurpou com minha casca, meus conhecimentos, meus interesses. Secou minhas lágrimas. Ninguém me fez tão mal quanto você me fez. Fico dias olhando para a porra da parede, sei minha casa de cor, sei os utensílios domésticos daqui de cor e faço desse abrigo, meu refúgio e minha prisão. Eu preciso sair dessa bosta desse caixão, sair dessa porra de iceberg, sair da dependência das pessoas, sair da costa de quem me apoio e fazer uma vida, uma realidade, a realidade da minha vida.

Caralho, eu já perdi três anos na minha vida. O que mais você vai tirar de mim? O que mais eu vou perder na minha vida? Porra. Preciso dominar tudo isso. Preciso viver, caralho. E parar de chorar.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

enquanto o congelamento

depois do ultimo post, sequer consegui escrever outras vezes. fico dias olhando para as paredes, fotos antigas minhas e de meus familiares e, bom, olhando para aquelas fotos horrendas.

junto com tudo o que eu havia guardado daquele backup, procurei pesquisar mais nos áudios e videos. estou no primeiro dia de pesquisa, ainda nos vídeos e descobri que, bom, existe um outro pai.

tudo em casa é muito velado. nunca usamos palavras fortes, apesar de tudo o que se passa dentro de cada um de nós. os extremos sao nossos inimigos, sempre foram. odiar e amar são palavras restritas, ninguém diz por aqui, e quando diz, sabemos que é vazio, tao sem significado quanto chamar alguém pelo nome para perguntar onde está aquela meia. em meio a estes vídeos,inúmeros em que ele somente cita e explica, entre erros e acertos, seus feitos em sua empresa, para mostrar aos superiores e tudo o mais. mas ali também haviam vídeos de 1)declarações de aniversário ao meu irmão mais velho 2)reflexoes, orações e agradecimentos a deus por tudo o que havia acontecido até entao e por tudo que ele tem 3)videos da escola da... bom... garota da outra família na festa junina da escola.
Descobri o nome do colégio da garota, que ele visita essa família e frequenta este tipo de confraternização. sentimento com que vejo isso? não sei descrever. discriçao, acima de tudo. congelado. fico parado, assistindo. nao me vem lágrimas aos olhos e nem consigo fechar os punhos com raiva, apenas olho. ele grita, torce pela garota no fim do vídeo, grita seu nome.

percebem as dualidades do caso?
ele agradece pela família que temos, o que somos, mas está lá. isso me apavora. nao vou contar nunca o que aconteceu, o que eu vi, o que eu tenho aqui comigo, estes arquivos estão ao alcance de quem quiser encontrar, muito facil, mas estão comigo e muitíssimo bem guardados.

não posso destruir tudo. nao posso peitar ele. não posso simplesmente jogar tudo na mesa. somos mais que isso, o alicerce está tao bem montado que se desmoronar, acaba com todos nós aqui embaixo. tá foda ficar com isso na cabeça. tá foda guardar isso comigo, pro resto da vida.