Explico.
Ainda sim, ouvindo os mesmos estilos musicais de antes, durante e depois de minha morte, e agora, na fase dois do post-mortem, eu talvez esteja tendo a primeira chance de dar uma guinada em minha aparência e possa, finalmente, dar novos ares às minhas manhãs. É. Ela faz parte do mesmo curso que faço à tarde, na mesma sala e no mesmo horário. É da minha sala sim, e naquela sala cheinha de crianças (que deveriam permanecer intocadas) e jovens que mais sabem destruir-se ao invés de preservar-se e evoluir enquanto conscientemente, ela surge. E com o aval positivo dos outros membros da sala e alguns colegas mais amigáveis.
Não, ela não é morena e nem uma brasileirona como eu gosto e sempre desejei, optando por contrapor meus irmãos, com suas devidas companheiras caucasianas, e manter as raízes da cor escura na família. Trata-se de uma oriental. Sim. Uma oriental, e além de tudo, da primeira geração pós vinda ao Brasil. É uma oriental pura, e, mais que tudo isso, uma chinesinha. "Cacete, tudo o que você queria mesmo, um amor BRICS!!!", exatamente. Talvez só uma pegada BRICSista. Se pudesse rolar ou combinar.
Ela é uma chinesinha de menos de 40 kg, de minha altura e altamente expressiva junto ao fato de que, sim, parece um anime ambulante e 3D. Caricaturadíssima, eu sei. Pra mim, que sempre opto por sequer aparecer ou ser notado, um alguém que busca alternativas em homeopatia, mapa astral e fala gritando no meio de uma avenida, pra dar oi a quem está do outro lado... É completamente inaceitável e incompatível. Sequer procuro por alguém assim, e até saio correndo de quem tenha uma pitadinha qualquer de um destes elementos, mas o trabalho e a aula nos juntou.
Acabei parando na mesma equipe que ela, o que seria um trabalho distante e fácil, passou a ter uma enorme dificuldade e necessidade por aproximação quando eu passei a ser produtor e assistente de diretor, onde ela era quem dirigia. E assim aconteceu. Saíamos da aula, onde conversávamos pouco, nos abraçávamos em média frequência e o contato era realmente profissional, para as conversas pelo celular, com assuntos mais abrangentes e mais adversos que o restante conversado durante a tarde do curso. Os assuntos, passíveis de maior discussão e tempo, eram escolhidos a dedo, afim de mais procurar simplesmente uma intimidade maior com ela, para entendê-la e transpassar isso para o trabalho. Deu numa aproximação sentimental também. Não quis a nenhum momento parecer apaixonado, afim de algo ou eloquente, só quis ser um cara legal, direito e que estava a fim de um trabalho bem feito, que foi o que foi feito.
O trabalho resultou em dois prêmios dos meninos, nenhum para nós. Claro que tiveram outros fatores externos, mas dois dos prêmios estão com nosso trabalho e é isso que importa.
O tempo foi passando - cerca de um mês - e as coisas foram melhorando e piorando, dependendo do fator e do ângulo em que se olha. Fui a festas onde eu bebia e ia conversar com ela, encorajado pelo álcool em meu sangue, e só saíam assuntos cabeça, claro. Não podia ser diferente vindo de um velho chatíssimo que mais procura um parceiro de discussão do que um parceiro sexual. Ela, por outro lado, entendia e correspondia positivamente aos assuntos, que não foram fáceis ou levianos não, desde sistemas políticos alternativos a discussões sociais e filosóficas sobre padrões comportamentais e fases da vida. Em meio a isso tudo, com tanta concordância e uma faísca em meu peito, ela estava bem mal por causa do ex-namorado. Um cara escroto que mais queria curtir do que se importar com alguém. Eles tinham um relacionamento aberto, onde ela "ficava" com alguém embriagada ou em situações onde a libido não a deixavam responder em si, e ele simplesmente saía e comia todas. É isso. Abriram os olhos dela e, enfim, terminaram. Desde então, mais de 8 garotos passaram pelo radar de desejo da doce flor do oriente, e não fui citado a ninguém por ela.
Este é o buraco em que eu me meti.
Quando soube e pude reparar que a aproximação era mais sentimental, e que o caminho estava livre para mim, comecei a dar uma investida mais agressiva, ainda leve, mas mais agressiva, no que se abrange somente a falar sobre assuntos amorosos e corporais. Claro que isso despertou sua excitação, mas começou a ser orientada não a mim, mas a outrem. Um dos alvos em que já havia declarado estar afim de entrar em seu extenso catálogo de bocas beijadas. E assim foi, todo êxtase e faísca que acendi, foi direcionada não mais a mim, mas a outro alguém.
O que parecia combinar tanto outrora, agora finalmente se revelou destoante de todo o resto situacional. Este "amor" que surgiu em semanas, dias, horas, se esvai em questão de segundos, por desinteresse e desencantamento. O que parecia concordar um dia, política, amorosa, social, jurídica e previamente discutido, agora se prova o contrário. Baladinhas, festinhas, desejo por ser notado, desejo por notar e desejo sexual impulsivo. O completo desprendimento de responsabilidade, consciência e valor. A total dissonância com o discutido ou respeito ao ser.
O jovialismo e adolescentismo faz mais vítimas a cada dia. E acabou de levar um possível romance nas frias brisas do inverno.
O inverno. Levando mais coisas de mim, mais uma vez.
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